plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Marcha lenta
Juliana Petermann 
Professora universitária

style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">

É só observação mesmo. Uma percepção. Eu, aqui, da janela do panóptico das minhas redes sociais: o recesso terminou e o sentimento é de que está difícil dar o arranque em 2022. Colocar a primeira e ir acelerando ao mesmo tempo em que tira lentamente o pé da embreagem. Não deixar o carro apagar. Na vida, é sem câmbio automático mesmo. É ir sentindo o motor, tirando o peso de um pé e ir colocando no outro. A gente terminou 2021 fazendo mil planos para 2022 e com a euforia dos reencontros. Das viagens. Das festas. E todo mundo voltou para casa com um recado bem dado da pandemia: não acabou.

OLHAR AO REDOR

Mas não é só isso. Ainda tem que aguentar gente antivax. Tenista antivax. Presidente antivax. Ministro antivax. Aguentar desinformação. Notícia falsa. Boicote à vacinação das crianças. É ver, na manchete, a estupidez matar: "Cantora antivacina morre após contrair Covid-19 propositalmente". É ver a desigualdade matar: durante a pandemia, um novo bilionário surgiu a cada 26 horas. Os 10 homens mais ricos do mundo dobraram suas fortunas. No Brasil, são 55 bilionários, enquanto 55% da população está em insegurança alimentar, que é um nome asséptico para dizer que as pessoas não sabem se comem amanhã. É só olhar ao redor. Ligar a TV. Ou estar minimamente sensível ao mundo, que não é raro, e nem difícil, entender porque a gente está demorando para engrenar.

DAR A PARTIDA

Acho que a gente se acostumou a começar o ano depois do Carnaval. E sem Carnaval, como é que se faz? Nesse contexto, também não é raro nos deparamos com os totens da motivação que ganham força em momentos de crise: "Pensar fora da caixa". "Sair da zona de conforto". "Mar calmo nunca fez bom marinheiro". Ou outros clássicos do mesmo time de "não pense em crise, crie". Máximas da produtividade que individualizam a responsabilidade. Que nos fazem acreditar que é só querer. Dar mais um pouquinho de si. Parentes próximos de "vestir a camisa", de "ter sangue no olho". Todos esses bordões, quando o que a gente quer é ter uma caixinha bem protegida para poder pensar melhor de dentro dela. Uma zoninha bem confortável para dar segurança. Uma enseada com água morna para ancorar o barquinho. Não quero uma crise para poder ou para ter que criar. Quero que a criatividade venha da estabilidade. Seja fruto da rotina. De bem-estar. De notícias boas e boas horas de sono. De saber que todo mundo tem feijão no prato e saúde. Que existe trabalho e também férias. Sábado. Feriados. E uma quarta-feira de cinzas bem colorida para a gente recomeçar.

Enfim, praia. SQN
Eni Celidonio
Professora universitária

style="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">

Sentada num banco no térreo do Royal, ela pensava o que teria feito para merecer tal castigo. Amava praia, mas amava praia em Santa Catarina, deixando claro. Não tinha ido ver o mar ano passado, por causa da pandemia. Trabalhou o ano todo pensando que esse ano ia ser diferente, Santa Catarina que a aguardasse. Preparou tudo para a viagem: fez revisão no carro, comprou hidratantes, arrumou as duas malas com roupas e sapatos que davam para passar um ano fora. E não podia esquecer acessórios e maquiagem. Sim, amava usar pulseiras na praia.

E chegou o grande dia! A estrada pesada, um calor infernal, mas tudo valia a pena: estava indo para o paraíso. Chegaram tarde da noite, ela e o marido, felizes! Alugaram uma casa perto da praia e foram dormir para descansar. No dia seguinte, mar, água salgada, a glória! Acordaram tarde, mudaram a roupa, tomaram café e foram para o Éden! Quase meio-dia, mas isso não interessava, já que era gaúcha, mas estava longe de ter a pele branca, que sofre com o sol. Não, ela era diferente, tinha a pele curtida, basicamente uma carioca.

Tomou sol como se não houvesse amanhã. Saiu da praia junto com o sol. Chegou em casa, tomou banho e viu que estava cor de abóbora, laranja ou semelhantes. Não podia nem tocar no corpo. Acabaram-se os sonhos de praia neste exato momento. Mudaria os planos, iria ao shopping de Florianópolis. Dia seguinte, usou a roupa mais leve que tinha e se mandou para o oásis do consumo. Andou, comeu e resolveu ir ao banheiro. Ao abrir a porta, uma menina pulou na frente dela e deu um grito para assustá-la. 


esbaforida


Entre assustada e com raiva, ainda ouviu a mãe da criança dizendo que já tinha avisado mil vezes que não era pra ela fazer isso, que a tia Léia não estava em Floripa...Vontade de dar uns bons tabefes naquela criatura, mas se conteve. Saiu do banheiro esbaforida, xingando a humanidade, virou-se para o marido que a esperava e desabafou: "acabei de encontrar a filha do diabo no banheiro, uma mistura de cão e inferno"! A mãe e a criança vinham logo atrás e ouviram o desabafo, assim como o pai que, ao invés de protestar como a mãe fazia, saiu atrás do casal falando impropérios que não nos cabe agora repetir.

Pronto! Toda ardida, com queimaduras pelo corpo, e ainda por cima, tendo que fugir de um casal enlouquecido, que tentava, a todo custo, se vingar daquela abóbora humana que falara tão mal da pobre da filhinha. Chegou no estacionamento, entraria no carro e estaria salva! No caminho, uma poça de óleo que ela não tinha visto. Pisou com tudo e abriu um "espacate" digno de uma ginasta olímpica.

Chegou em casa, arrumou as coisas e voltou para Santa Maria, morrendo de saudade do calor. Conhecera o inferno, com certeza. Mil vezes esse calor daqui...

Vade retro, satanás!

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Centro de Santa Maria tem cruzamento bloqueado nesta terça-feira Anterior

Centro de Santa Maria tem cruzamento bloqueado nesta terça-feira

Próximo

Força Aérea Brasileira lança edital de serviço voluntário com 15 vagas

Geral